sábado, 1 de outubro de 2011

Princípio da Insignificância - cresce o número de decisões

Cresce número de decisões que aplicam princípio da bagatela

Mesmo sem previsão legal, o princípio da insignificância vem se tornando instrumento importante na consolidação da aplicação do direito penal no Supremo Tribunal Federal. Enquanto em 2004 o único pedido de insignificância pelo réu foi negado pela corte, em 2009 o número de solicitações saltou para 38 e o de concessões ficou em 22.

O maior crescimento do número de pedidos se deu a partir de 2008. O número pulou de 6, em 2007, para 24, no ano seguinte — dos quais 8 foram rejeitados e 16 reconhecidos. Os dados mostram que, à medida que houve aumento na quantidade de casos de insignificância que chegaram ao Supremo, também ocorreu aumento na quantidade de pedidos aceitos pelos ministros.

As informações são de levantamento feito por pesquisadores do Departamento de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP. O estudo foi divulgado nesta terça-feira (30/8). A pesquisa analisou todos os pedidos de insignificância feitos de 1º de janeiro de 2005 e 31 de dezembro de 2009, sempre de acordo com os acórdãos publicados na íntegra no site do STF. O objetivo do trabalho é mostrar como novas interpretações para crimes contra o patrimônio e contra a administração pública pavimentaram mudanças no entendimento do STF para crimes penais de pouco valor.

Os autores apontam a Lei 11.033/04, que alterou o artigo 20 da Lei 10.522/02, a Lei de Execuções Fiscais. Desde dezembro de 2004, está determinado que o Fisco ignore atos de execução fiscal inferiores a R$ 10 mil. Assim, o STF passou a entender que certas faixas de valor não precisam ser levadas a julgamento, muito menos à prisão ou execução penal.

Exemplo disso é que, em 2007, 54,5% dos pedidos de insignificância foram concedidos no mérito. Já em 2009, um terço dos pedidos foi concedido em liminar e no mérito, o que mostra um reconhecimento do princípio já no curso do julgamento pelo Supremo.

Como explica o professor de direito penal da USP, Pierpaolo Bottini, coordenador do estudo, o relatório aponta para o entendimento do Judiciário de que às vezes o direito penal é desproporcional e sua aplicação exagerada. “Se você começa a identificar que sonegação de menos de R$ 10 mil é insignificante, começa a ficar estranho punir alguém que rouba um xampu”, afirma.

Isso porque, nos crimes patrimoniais comuns, ao que mais é aplicado o princípio da insignificância, é o de dinheiro que responde por um quarto dos casos. Em segundo lugar vêm os casos de objetos eletrônicos (18%) e roupas (18%). (Clique aqui para ver o ranking completo)

Habeas Corpus
Bottini também ressalta a importância do Habeas Corpus no princípio da insignificância. Dos 75 casos de insignificância apurados nos cinco anos abarcados pela pesquisa, 65 foram feitos por meio de HC, dos quais 43 foram aceitos. Os outros dez ficaram distribuídos entre Agravo Regimental, Recurso Extraordinário e Recurso em Habeas Corpus. Desses, sete foram aceitos.

Para o professor, isso só reforça a importância do HC para levar o princípio da insignificância ao Supremo. “A ideia é mostrar como o Habeas Corpus corrige algumas injustiças não só em relação a quem está preso”, diz o professor, citando críticas a este recurso, que só seria aplicável a pessoas presas. O caso paradigmático citado na apresentação do trabalho, aliás, é um HC, de relatoria do ministro Celso de Mello (Habeas Corpus 84.412, DJ. 19.11.2004).

Política criminal
Outro objetivo do estudo, talvez o principal, seja o de mostrar uma possibilidade de desenvolvimento da política criminal brasileira. “É limitar o direito penal ao que é indispensável; tirar da prisão pessoas que não são socialmente perigosas e reservar [a prisão] para situações inevitáveis. Na verdade, é o direito penal que está descrito na Constituição Federal”, explica Pierpaolo Bottini.

Como protagonista desse movimento, o professor da USP aponta a atuação da Defensoria Pública, que tem sido a grande responsável por levar tantos pedidos de insignificância ao Supremo e evitar que tantas pessoas sejam presas sem necessidade. Outro destaque do relatório, segundo o coordenador do estudo, é mostrar como é preciso regulamentar melhor crimes patrimoniais comuns, como furto ou roubo comum. “Seria uma questão de rever a legislação mesmo”, diz Bottini.




DIREITO DE DEFESA

O princípio da insignificância no STF é uma novidade

Na semana passada foram divulgados os primeiros dados de uma pesquisa sobre a forma como o Supremo Tribunal Federal aplicada o princípio da insignificância. O estudo — no qual tomei parte — foi apoiado pela Fapesp e elaborado por um grupo de acadêmicos da Faculdade de Direito da USP — Ana Carolina Carlos de Oliveira, Daniela de Oliveira Rodrigues, Douglas de Barros Ibarra Papa, Priscila Aki Hoga, Thaísa Bernhardt Ribeito — contando com a preciosa colaboração da professora Maria Tereza Sadek.Os dados colhidos foram interessantes. Em primeiro lugar, fica claro que a aceitação pelo STF do princípio da insignificância é uma novidade. 

Há dez anos praticamente não se falava em afastar a repressão penal de comportamento cujo resultado fosse pequeno, bagatelar, como o furto de chocolates ou xampus. 

Nos últimos tempos, no entanto, a Corte passou a reconhecer com frequência a tese da insignificância, a ponto de o número de decisões reconhecendo-a ter triplicado entre 2007 e 2008.

O instrumento mais usado para levar esta questão ao STF foi o Habeas Corpus, tanto em casos de réus presos como soltos. 86,7% dos casos chegaram à Suprema Corte via Habeas Corpus, e, dentre estes, em cerca de 70% foi reconhecida a insignificância. 

Parece, com isso, que o tão criticado remédio constitucional ainda tem um importante papel, nem que seja o de evitar a continuidade de inúmeras ações penais contra réus cuja conduta é irrelevante do ponto de vista criminal.

Outro dado que merece atenção: o número de decisões que reconheceram a insignificância nos crimes patrimoniais comuns (ex. furto, estelionato) é menor do que aquelas que aplicaram o mesmo princípio nos casos de crimes fiscais. A proporção é de 52,2% nos primeiros e de 72,4% nos últimos. 

Ademais, o valor considerado insignificante em cada crime foi bem diferente. Em 60% dos casos que envolveram crimes patrimoniais comuns (furto, estelionato) no valor de 0 a R$ 100 a insignificância foi reconhecida. 

O número é reduzido a 40% na faixa de R$ 201 a R$ 700 e nulo nos crimes cujo dano foi superior a R$ 700. 

Já nos crimes fiscais, a insignificância foi reconhecida na totalidade dos casos de valores na faixa de R$ 3.001 a R$ 5.000. Isso se explica pela Lei de Execução Fiscal que afasta a cobrança judicial da divida tributária em valores de até R$ 10 mil. 

Como aponta a jurisprudência, se nos casos de sonegação até este valor a própria vítima — Poder Público — não age para obter a restituição dos valores, não cabe ao Direito Penal interceder. Tudo em respeito ao princípio da subsidiariedade, que coloca o Direito Penal como último instrumento de repressão, apenas quando todos os demais mecanismos falham.

A interpretação é correta. O que não parece se justificar do ponto de vista político criminal é a discrepância do reconhecimento da insignificância entre os crimes comuns e os fiscais. Como explicar considerar insignificante a sonegação de R$ 10 mil e — por outro lado — reconhecer a legitimidade da pena diante de um furto de uma bicicleta?

A solução que parece mais adequada — e justa — é estender o raciocínio feito sobre a execução fiscal para todos os delitos patrimoniais sem violência ou grave ameaça. Algo como: se o bem for restituído e não houver representação da vítima, fica afastada a persecução penal. 

A natureza jurídica deste fenômeno — se exclusão da tipicidade ou falta de elemento para Ação Penal ou exclusão da punibilidade — pode ser discutida adiante, mas o efeito pragmático será a correção da evidente distorção hoje observada no sistema penal, onde a insignificância beneficia os autores de certos crimes de forma muito mais generosa e ampla do que outros.

Em geral, de distintas classes sociais.

Clique aqui para acessar a pesquisa.

Pierpaolo Cruz Bottini é advogado e professor de Direito Penal na USP. Foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e secretário de Reforma do Judiciário, ambos do Ministério da Justiça.
Revista Consultor Jurídico, 6 de setembro de 2011

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